
Com a proximidade doDia de Finados,neste domingo,02 de novembro,os cemitérios públicos de Belém se preparam para receber milhares de visitantes. Entre eles, um público específico: as pessoas que cultuam os chamados “santos populares”
Muitos fiéis consideram alguns túmulos pontos de peregrinação, e atribuem às pessoas enterradas ali, a capacidade de interceder pormilagres e pedidos.

As histórias de suas supostas santidades e os relatos de graças alcançadas são transmitidos principalmente pela tradição oral,de geração em geração,entre as famílias paraenses.
No centenárioCemitério da Soledade,no bairro de Batista Campos, inaugurado em1850e que, recentemente, passou por obras de restauração e conservação, um dos túmulos mais visitados é o do“Menino Zezinho”
Segundo registra a cartilha do Cemitério, documento elaborado pelo Departamento de Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural (DPHAC), da Secretaria de Estado de Cultura (Secult), Zezinho está associado aoserês das religiões de matriz africana,e seus devotos conferem a ele muitos pedidos relacionados àscrianças e aos jovens.
O garotinho chamado José, que faleceu a 13 de fevereiro de 1881, ainda noséculo XIX, enternece fieis e visitantes do seu túmulo, com suafigura angelicalem uma estátua.

Passadosmais de 140 anos de sua morte, ainda hoje a sepultura recebe homenagens em forma de brinquedos, bombons, água e alimentos. São presentes de fiéis, em agradecimento por supostas graças alcançadas pela intercessão do menino Zezinho.
Um dos devotos de Zezinho é o servidor público federal Álvaro Pinto, 71 anos. Não há uma única segunda-feira na qual ele deixe derezar e agradecer aos “santos populares”cultuados no Soledade.
A devoção começou quando Álvaro tinhaapenas 13 anos de idade.Foi desde aí que ele resolveu pedir proteção nos estudos para a“Santa Raimundinha Picanço”,enterrada no Cemitério da Soledade e considerada a Padroeira dos Estudantes no imaginário popular.

Quase60 anos depois,o servidor público repete, em todas as segundas-feiras, o ritual da peregrinação porcinco túmulosde “santos populares” no Cemitério da Soledade: Raimundinha Picanço, Preta Domingas,Escrava Anastácia, Menina Januária e, por fim, otúmulo do menino Zezinho.
A fé e gratidão devotadas aos chamados santos populares envolve, também, um trabalhador do Cemitério da Soledade. Francisco de Jesus, 60 anos,vende velas desde os 15 anos de idadeno local. “Toda segunda-feira eu acendo um pacote de velas para o menino Zezinho. Eu prometi a ele que iria fazer isso, em agradecimento à minha saúde e a da minha família.Eu acredito muito que ele ajuda as pessoas, de tanto ouvir as histórias, aqui.As pessoas pedem as mais variadas coisas, e ele atende”, relata o vendedor.

No bairro do Bengui, está localizada a maior necrópole pública de Belém: ocemitério de Santa Izabel.Fundado em 1870, temmais de 145 anos de históriae abriga jazigos e túmulos de personalidades paraenses.

Logo na entrada do cemitério, está um dos túmulos mais visitados entre os chamados santos populares do lugar. O do médicoCamilo Salgado,fundador daprimeira Faculdade de Medicina do Pará.Em 1938, o clínico- geral morreu de infarte, com 48 anos, em casa.
Dr. Salgado foi conhecido por sua imensa bondade,atendia pessoas de graça,e chegou a ter uma farmácia que faliu por doar remédios a pacientes pobres. A partir de sua morte, as pessoas já começaram a venerá-lo. Em seu túmulo, já ocorreram pequenos incêndios proporcionados pelas inúmeras velas acesas, emagradecimento por supostas graças alcançadas.
Seguindo os passos do médico que fez história no Estado, estão oneto e bisneto de Dr. Camilo Salgado.Cláudio Salgado, bisneto de Dr. Camilo, conta que, tanto ele quanto o pai, Ubirajara, costumam ouvir muitos relatos de pacientes, ao se depararem com o sobrenome em comum, e a foto de Dr.Camilo em seus consultórios.
O neto e bisneto do Dr. Camilo Salgadose comovem com tantas histórias de curas,através das promessas feitas ao caridoso médico.
Entre os inúmeros devotos de Dr. Camilo Salgado, está a psicóloga Karen Mendes, 56 anos. Todas as vezes em que ela visita os túmulos dos parentes enterrados no cemitério de Santa Izabel, faz questão decolocar flores no jazigo de Dr. Camilo.

Nos anos 80, quando Karen era criança, viu sua mãe, hoje falecida, se“curar” pela intercessão de Dr. Camilo Salgado.Sofrendo com umproblema de pele,que nenhum médico conseguia diagnosticar, dona Maria viu sua doença desaparecer depois que começou a rezar no túmulo de Dr.Camilo.
“O sentimento que me move, toda vez que venho aqui, é o degratidão a um trabalhador do plano espiritual,pela ajuda tão importante a minha mãe. Que ele possa continuar sendo um intercessor diante dos espíritos maiores, como Jesus e Maria, para continuarajudando as pessoas”, relata, emocionada, a psicóloga.
Dr. Camilo Salgado, o “Menino Zezinho” e tantos outros “santos populares” de Belém não foram canonizados pela Igreja Católica, mas se transformaram emsímbolos de féque atravessam séculos. Refletindo o sincretismo e a religiosidade popular, tão característicos dacultura amazônica. Entre os céus e as florestas, há muito mais do que se possa imaginar.
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